quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

ESPAÇO VAZIO...

Qual a dimensão das coisas na minha vida? Quando digo coisas me refiro a objetos mesmo, aqueles que se deixam tocar pelas minhas mãos curiosas. Casa, carro, roupas, sapatos (adoro sapatos), um brinco novo... coisas. Vivo sem elas? Com certeza sim, mas não quero! Todos temos objetos dos quais não abrimos mão. Não nascemos com eles, mas colecionamos objetos ao longo da vida. É só abrir o maleiro dos guarda-roupas para ver a quantidade de coisas que guardamos para nunca mais usar. A possível necessidade futura justifica minha coleção, é claro! Mas se ficou lá por dois, três, dez anos... sem que eu precisasse ou nem sequer lembrasse... por que guardei? Por uma única razão... medo. Cheguei à conclusão de que eu tenho medo de um espaço vazio no guarda-roupa tanto quanto tenho medo de um espaço vazio dentro de mim... É possível suportar os espaços vazios sem ter que preenchê-los imediatamente? E quando as coisas se vão de minha vida contra a minha vontade? Que sensação de perder um pedaço de mim mesma, que tentação de substituir imediatamente... É possível substituir? É possível repovoar o espaço vazio?
É aí que me pego refletindo... E quando coisas e pessoas se confundem? Qual a dimensão das coisas-pessoas na minha vida? Nossa, que pensamento doloroso... coisas-pessoas ou dito de outra forma... pessoas que foram coisificadas em minha vida para preencher meus espaços vazios que tanto me amedrontam... Parece familiar? Faz muito sentido para mim, cuja solidão é suportada pela minha própria ausência de mim mesma. E deve ser assim. É a solidão dos meus espaços vazios que só podem ser preenchidos por mim mesma. Se um dia eu tentar (e com certeza fiz isso muitas vezes) preencher esse espaço com alguém, esta pessoa se tornará um objeto (pessoa-coisa) em minha vida. Nunca poderá me faltar, nunca poderá se afastar, nunca poderá falhar. E quantas vezes já fiz isto... 

Alguns espaços vazios devem ficar assim mesmo... vazios... Disponíveis para minha própria movimentação interna. Disponíveis para experimentar coisas novas, disponíveis para o meu crescimento. Então vem uma palavra muito moderna nos dias de hoje... desapego. Essa palavra me dá arrepios! Em nome do tal desapego as pessoas não se apegam mais, não se vinculam, não se envolvem. Para desapegar é necessário primeiro apegar-se, envolver-se, permitir-se tocar pelo outro que aos poucos ocupa um espaço que nunca foi vazio de todo pois sempre foi ocupado por mim mesma. Somente assim pode-se viver o outro enquanto pessoa, um ser subjetivo e completo que empresta em sua passagem algo de si para mim. Não por obrigação ou por força de preencher o espaço vazio de sua existência, mas por simples permanência e desejo.
Vou recorrer a uma analogia que já usei em outro texto, em outro tempo. Num tempo em que estava refletindo sobre o ser mulher na presença do outro. É um texto que fala da diferença entre a mariposa e a borboleta. Existem várias espécies de mariposas, noturnas, grandes, belas, que vivem nas sombras e aparentemente se alimentam de uma única fonte de luz. A mariposa escolhe uma fonte de luz que lhe confere motivo e razão de viver. E sua vida passa a ser aquela lâmpada acesa, fonte de sua energia, de onde tira (suga) o que necessita para viver. Voa em torno dela e, se a luz se apaga, pousa imóvel aguardando que se acenda novamente. Imagine ser uma lâmpada (pessoa-coisa) para essa mulher-mariposa (também conheço homens assim). Essa luz pode ser um companheiro, um filho, uma empresa, enfim... qualquer coisa que dê total sentido para a existência desta mariposa. Não pode haver falha, não pode se esgotar e deve se deixar “sugar” para que a mulher-mariposa possa continuar viva. É uma relação de dependência mútua, onde um 
não vive sem o outro, onde um é absorvido pelo outro, onde luz e mariposa passam a viver num ciclo de cobranças, chantagem e culpa. Não é uma relação de amor, é uma relação de dependência e medo de perder, onde nenhum dos dois cresce, e fatalmente com o tempo a luz perde a força e a mariposa morre. Resultado... frustração e vazio... 
E a borboleta? Essa é colorida, única. Ela adora a claridade, as flores, adora a vida. A borboleta encanta por onde passa, ela é alegre, ela fertiliza, ela é clara, ela empresta suas cores e sua alegria para o mundo. Uma borboleta tem várias fontes de alimento, varias flores, e com isso ela estabelece uma relação de troca por onde transita. Não se precisa temer uma borboleta. Mas se tentar aprisiona-la, ela morre. Assim é a borboleta. Para se tornar uma borboleta deve passar por transformações importantes – um processo de reclusão dentro de si mesma a que chamamos de metamorfose – até virar um indivíduo adulto. A mulher-borboleta (serve também para os homens) igualmente passa por transformações. Ela precisa amadurecer e encontrar dentro de si a beleza e a alegria de viver. E oferecer isso para as flores que a cercam – filhos, companheiro, amigos, colegas, etc. – distribuindo atenção e recebendo de cada um conforme o que cada um tem pra dar. Isso não sobrecarrega uma só fonte de luz, como no caso da mariposa. Essa relação é uma relação de troca onde o amor pode acontecer e se manter. Uma relação de complementariedade, sem culpas e sem cobrança. A mulher-borboleta é capaz de sorrir e brincar, mas também é capaz de trocar de flor ou até de jardim... A luz que se apaga não apaga seu colorido, apenas a faz avaliar e resgatar o verdadeiro valor que tem dentro de si mesma. Flor e borboleta são complementares, vivos, e cheios de cores. Flor e borboleta estabelecem uma relação de amor.

E aí volto meu pensamento para a pergunta inicial: Qual a dimensão das coisas na minha vida?
Em que momento sou mais mariposa vendo nas pessoas o que me falta para preencher os espaços vazios? Estes espaços se traduzem naquela voz infantil que sussurra no meu ouvido: “estou sozinha, estou triste, estou com medo”... 

Quantas pessoas-coisas transformei em lâmpadas permanentemente acesas para acalmar meus medos? E quantas vezes fui eu mesma lâmpada para outras mariposas? Tudo o que eu precisava era que a lâmpada se apagasse para me recolher para dentro de mim mesma, redimensionar meus espaços vazios, rever meus medos e... num milagre de renovação, conduzir a voz infantil que sussurrava em meu íntimo para a luz. Não a luz de mais uma lâmpada, mas a luz do conhecimento. A luz do crescimento. A luz que sempre esteve ali conferindo cores e brilhos em minhas asas. Não quero ser mariposa, e também não quero ser lâmpada. Quero ser borboleta e quero ser flor... Quero permitir o espaço de liberdade (não mais espaço vazio) por onde a verdadeira vida pode acontecer. Quero isso hoje, quero isso amanhã, quero isso sempre. Isso é desapegar-se de mim mesma, de minhas lâmpadas arcaicas e infantis, para ver no outro o que o outro pode finalmente ver em mim...
Cladismari Zambon

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

BORRA DE CAFÉ


Tem uma palavra que sempre me acompanhou... saudade. Desde sempre e para sempre a saudade faz parte da minha vida. Quando pequena aprendi que saudade é um sentimento dolorido por uma pessoa que gostamos mas não está presente. E como doía! Tinha saudade até de pessoas que ouvia falar mas nunca tinha visto. Com o tempo essa palavra foi ganhando outro significado e passei a reconhecer neste sentimento uma experiência única, pessoal e indispensável. Descobri que a saudade é inerente ao ser humano, que eu sinto e gosto de sentir saudade e que a saudade é o elo que me mantém ligada a tudo aquilo que faz de mim a pessoa que sou hoje. A saudade não é melancólica, não é triste, ela apenas traz de volta recordações, imagens que não podem se perder de mim. Ou eu não posso me perder delas...
E agora nos aproximamos do período em que as recordações nos assaltam de todas as formas. Fim de ano, festas, família... pessoas que não estão presentes... saudade. A mídia se encarrega de deixar nossas lágrimas sempre na beirinha da garganta... E a saudade... essa palavra é a única capaz de traduzir o coração apertado, o pensamento em outros lugares, em outras épocas. É a única capaz de dar um nome para as lembranças carregadas de sentimentos que nos afloram. Mas... alguém quer ficar sem elas? Quem se arriscaria a abrir mão delas? As pessoas que amamos não ficam eternamente ao nosso lado... infelizmente. Ficam as lembranças e saudade... muita saudade. E agora fazemos um balanço do ano que termina e vemos que elas nunca se foram totalmente, permanecem nos dando esperança e conforto. Não se tem saudade do que não foi bom... se permaneceu é porque marcou... marcou o coração e alma...
Este ano foi interessante para mim... longe de pessoas que amo, muitas viagens, conheci muitas pessoas em muitos lugares. Cresci muito, aprendi muito e minha cristaleira se enriqueceu de tantas histórias que nem sei como acomodá-las todas. Também foi um ano de algumas perdas mas sei que mesmo estas fazem parte do meu caminho de amadurecimento e vida. A cada perda... um recomeço. A cada recomeço... a chance de fazer diferente, de aprender mais e crescer. 
Mas... como lidar com o desconhecido que se apresenta a cada dia? A cada recomeço? O que eu conhecia era confortavelmente incômodo, mas era conhecido. É disso que tenho saudade? Não, claro que não. Mas também é! Saudade do conforto que sempre me lembra retorno ao lar e ao colo conhecido (mas já pequeno) da minha família. Colo que sempre vou buscar em todos os recomeços... que sempre acontecerão e se sucederão.
Então penso agora que saudade não me liga ao passado, ao que se foi de minha vida... Saudade me liga ao que virá, me liga a uma busca de recomeçar sem perder o que sempre busquei e vou continuar buscando. Saudade me liga ao futuro ao trazer essas recordações tão impregnadas na minha alma de porcelana. É como se eu buscasse em cada marca da minha xícara pistas do que vai acontecer... como uma leitura do futuro através de marcas de minhas saudades. Ouvi dizer que algumas pessoas têm o dom (ou a sensibilidade) de ler o futuro através da borra do café no fundo de uma xícara. Mas o que é a borra no fundo da xícara além de uma marca de algo que já se foi (o café) em minha experiência de vida? É o passado ditando meu recomeço, apontando caminhos, aliviando minha ânsia pelo desconhecido. Então... basta olhar para dentro de minha alma de porcelana que já não é tão branca e ler verdadeiramente o que a borra do café de minhas experiências tem para me dizer. Recomeçar com base nos acertos e erros que fizeram de minhas saudades uma vida de amor e fé. Fé no futuro que começou mesmo antes de eu nascer... minhas respostas estão todas lá... é só saber ler a borra de café no fundo de minhas saudades. 
Cladismari Zambon