Simples assim... Talvez pela simplicidade seja quase impossível. Afinal, o que é simples não nos chama tanto atenção. Temos especial interesse pelas coisas complexas, complicadas e rebuscadas. Como diria Joãosinho Trinta... “quem gosta de pobreza é intelectual, pobre gosta de luxo”. Quanta sabedoria nestas palavras...
Pois bem...
eu que gosto de complicar as coisas (mania de pensar demais, dá nisso) empresto essa sabedoria da simplicidade carnavalesca e me arrisco a dizer: o
pobre “de espírito” tem que enfeitar coisas, roupas e palavras... precisa do
luxo. Tudo aquilo que de alguma forma sirva para deixar a pobreza interior
menos evidente e menos visível. Quem não tem o que dizer, se cobre de tudo o
que é bonito aos olhos e aos ouvidos, mesmo que sejam palavras totalmente
desprovidas de sentido ou de verdade. E o pobre “de espírito” adora isso. Já
quem gosta da simplicidade é justamente aquele que não procura o superficial, o
esteticamente produzido para encher os olhos e os ouvidos... Quem gosta de
simplicidade aprecia o que faz sentido. O que faz bem a alma é justamente o que
desassossega, o que faz pensar e, portanto,
faz sair do lugar. O que faz pensar é definitivamente um luxo! Que paradoxo
interessante entre riqueza e pobreza. Preciso da simplicidade para encontrar a
riqueza. E preciso da riqueza para ocultar minha pobreza. E onde fica a felicidade?
Freud é bem
reticente quando fala de felicidade. Ele ousou romper com a idéia judaico-cristã
ao dizer que o homem padece de uma infelicidade eterna pois, para viver de
acordo com o que é ditado pela cultura, deve abrir mão de satisfazer seus
anseios. Pagamos um preço muito caro
pela “civilização”. Minha avó dizia isso de forma mais simples... “o homem é um
eterno insatisfeito”. Portanto, não ouse pensar pois isso tira o sossego e te
joga para dentro do nada. O preço do pensar é a angústia. Mas eu penso mesmo
assim, sou impertinente e teimosa. Quase uma pedrinha no sapato de quem gosta
de amortecer a consciência. Penso no quanto é difícil suportar a angústia do
outro. Vamos enfeitar de plumas e paetês farmacológicos a angústia pois assim
não nos deparamos com a dura realidade de nossa pobreza interior.
Mas quem está
livre disso? A resposta é uma só: ninguém! Porque viver com simplicidade é algo
impossível pela sensação de falta inerente à experiência de ser gente no meio
de outras gentes. E digo isso justo no momento em que todos estamos cheios de
esperança, planos e projetos. Precisamos disso e realmente somos isso. Projetos
renovados nos dão a sensação de mudança. Eis aí mais um paradoxo... mudar dá
medo.
Vou contar
uma historinha... faz tempo que não conto minhas histórias. É a história de um
pão caseiro, simples, cheiroso e delicioso. Um pão amassado com as mãos de uma
pessoa que faz disso um verdadeiro ritual. Um pão que recebi das mãos de uma
senhora de 75 anos a quem vou chamar de Dona Joana. Ela poderia se chamar
Maria, Ana, Chica, Luiza, não importa o nome. Importa o pão e as mãos simples e
firmes que generosamente o amassaram. Pois bem... foi num final de tarde num daqueles
dias difíceis que deixam marcas na alma de porcelana. Um daqueles dias em que
tudo parece cinza, que nem brilhos e paetês numa maquiagem de última hora são
capazes de disfarçar o cansaço e o desânimo. Tenho certeza que todos sabem do
que estou falando pois esses dias não escolhem apenas a minha cristaleira para
acontecerem. Um dia realmente difícil. E chega Dona Joana, de mansinho, sorriso
nos lábios e olhar maternal. Trazia um pão enrolado num pano-de-prato bordado em
ponto cruz. Era sexta-feira, próximo do dia das mães, e ela bordou o pano com
os dizeres: “Feliz dia das Mães”. Me entregou o pão enrolado no pano-de-prato,
sorrindo, e disse... “Fiz para você que muitas vezes me fez lembrar da minha
mãe”. A simplicidade é realmente um luxo, posso garantir! Quanta generosidade e
sabedoria neste simples gesto? Por que é tão difícil receber a angústia do
outro se ela é igualzinha a minha? A resposta Dona Joana tinha naquele pão
enrolado num pano-de-prato. Com 75 anos era capaz de receber a mim,
humildemente, como alguém que poderia pegá-la no colo, como sua mãe. E devolver
isso com toda sabedoria e experiência. Com conhecimento e simplicidade. Alguém
capaz de dizer que amassou o pão com as próprias mãos, bordou o pano com a
sensibilidade e sorriu com a simplicidade de quem já passou por todas as dores
do mundo. Naquele dia aprendi a valorizar um simples gesto como o luxo
verdadeiro do conhecimento. Sim... quem gosta de luxo é intelectual, é alguém que
realmente sabe e vive intensamente, que tem conhecimento suficiente para abrir
mão do lixo que mascara os sentimentos que efetivamente transformam sofrimento
em vida. E como diria meu amigo no email, alguém que aprendeu a “Viver um dia de cada vez” pois “este
é o segredo da Vida“!
Sim, viver um
dia de cada vez, e aprender a amassar o pão, a bordar ponto cruz, a sorrir com
os olhos e a receber com o coração. Este é o segredo da vida. Aprender a viver
um dia de cada vez, com o luxo da simplicidade, é hoje meu único projeto de vida.
Alguém tem
uma receita de pão caseiro para acompanhar minha próxima mesa de chá?
Cladismari Zambon